Semana de Arte de Cataguases em momentos-chave
Durante o bate-papo que aconteceu no Anfiteatro Ivan Muller Botelho minha cabeça começou a borbulhar. Ali no palco, com grandes personalidades do cinema brasileiro, apresentei um turbilhão de conexões que misturaram aquilo que eu tinha preparado para a apresentação com a inspiração incorporada naquele momento. Depois de ouvir a fala de Marcus Diego (realizador da Mostra de Arte de Cataguases), de assistir a apresentação do Grupo Girarte, de escutar, as palavras da jornalista Lucimar Brasil (mediadora da mesa) Luiz Bolognesi, André Di Mauro, Elza Cataldo (cineastas) e Cesar Piva (Gestor Cultural), me veio a intuição de começar a fala por uma palavra simples: a CURIOSIDADE, que pelo Dicionário Aurélio, é definida como o “desejo de ver, saber, informar-se”. A palavra vem do latim curiositas, que significa “desejo por conhecimento” ou “desejo por informação”.
Referencio e reverencio inicialmente Nêgo Bispo, líder quilombola e pensador, que tinha uma visão crítica e profunda sobre o uso da palavra, especialmente no que se refere à linguagem acadêmica e colonialista. Nessa perspectiva ele trazia uma crítica à linguagem acadêmica e inacessível. Bispo criticava o uso de termos técnicos e conceitos que distanciam os povos tradicionais de seus próprios saberes e realidades vividas. Valorizava os saberes ancestrais e com isso defendia a oralidade como o principal instrumento de preservação e transmissão coletiva de sabedorias. Para Nêgo Bispo, os modos de vida quilombolas se baseiam na fala, no diálogo e na “confluência” de saberes, em oposição à racionalidade ocidental. Dessa forma, segue um texto dividido em tópicos, na tentativa de somar à essa visão cosmológica de Nego Bispo, o resultado das ideias que foram compartilhadas no bate-papo do evento, durante as caminhadas pela cidade, as refeições e a cerveja do final da noite no Bar do Adilson.
(Re) Encontro Histórico:
Na tarde do dia 14/11/25e André Di Mauro (sobrinho neto de Humberto Mauro) exibiu o filme documentário do pai do Cinema Brasileiro para uma geração de crianças de Escolas Pública da região. Já na noite do mesmo dia Elza Cataldo apresentou o filme Silêncio de Eva. Eva Nil e depois Eva Comello, revela a história invisibilizada até então, da primeira atriz, empresária e fotógrafa do cinema brasileira. Eva, seu pai Pedro Comello e Humberto Mauro realizaram o primeiro filme de ficção do cinema brasileiro, Valadião o Cratera em 1925. Após a sessão acontece uma conversa de Elza com André Di Mauro, o que me fez perceber que estávamos vivendo ali um momento histórico inesperado, dentro de um arco temporal de 100 anos que permitiu o reencontro desses dois personagens primordiais para o entendimento da história do cinema brasileiro.
Conexão, Ruptura e Reconexão:
A conversa entre Elza e André revelou a conexão, ruptura e reconexão entre Eva Nil e Humberto Mauro, essenciais para entender o Ciclo de Cataguases sob uma nova perspectiva, ao colocar estas 2 figuras como primordiais na consolidação da história das origens do cinema brasileiro. Já em conversa com André Lira (do Ministério da Cultura e da Secretaria da Economia Criativa), que esteve presente no evento, ele demonstra espanto e admiração ao relatar o que estava vendo e vivenciando ali em Cataguases. Relatou que tem conexões fortes com pessoas do nordeste, aonde percebe que por lá nossa história é desconhecida e que também é por lá que se autoproclamam os pioneiros do Cinema. Por coincidência tinha acabado de receber uma matéria de uma amiga de doutorado que confirmava isso. Essa desconexão só revela a necessidade cada vez maior de se difundir nossas histórias em todas as mídias e plataformas.
https://www.diariodepernambuco.com.br/200anos/2025/11/11699933-recife-e-pernambuco-pioneiros-do-cinema.html
Universidade e Novas formas de Produção de Conhecimento:
A exibição do filme Miranha de Zahir de Tentarrar e Luiz Bolognesi, apresentou uma visão de colonização científica e do conhecimento. Na sua fala apresenta a possibilidade de exercermos uma escuta ativa em relação aos povos originários, o que a ideia de se criar disponibilidade cada vez maior para aprender a partir das nossas origens. Além disso, no evento também foi possível avançar na discussão para se criar espaço para novas formas de pensamento, com um olhar atento em torno do conhecimento indígena e dos povos tradicionais, superando o conhecimento já estabelecido na academia. Em Cataguases, conseguimos implantar uma universidade pública estadual de Tecnologia em Cinema e Animação. O pensamento relacionado à ideia de decolonização tem sido tratado internamente na UEMG e no Polo Audiovisual faz algum tempo e pode ser visto através do Projeto Alma. Cláudio Santos e Cesar Piva participaram do Conselho Científico pelo Polo Audiovisual da Zona da Mata MG, da Universidade do Estado de Minas Gerais junto aos cursos de Design e de Tecnologia em Cinema e animação. Através desse intercâmbio com a Universidade de Minho em Portugal, foi possível escrever em parceria com Andrea Toledo um artigo sobre o Modernismo no Brasil em Cataguases e Belo Horizonte, em diálogo com algumas produções realizadas no Polo Audiovisual, como as Orfãs da Rainha de Elza Cataldo. Além disso, Cláudio mediou uma mesa com o Professor Charles Bicalho (BRA) e José Carrega (POR) sobre tecnologias antropofágicas a partir da produção do indígena Isael Maxacali. O resultado foi um ebook com textos de pensadores, artistas e intelectuais sobre as relações entre a literatura, o audiovisual, a antropofagia e o modernismo sob diversas perspectivas. Escrevemos e publicamos ao lado de grandes nomes da África, Brasil e Portugal. Ebook disponível para download gratuito:
https://lnkd.in/dy5DXeSH

Também podemos destacar o artigo publicado por importante revista de Educação (REBEP), com classificação Qualis 1, Cinema feito a mãos: animação e educação no projeto Escola Animada. Escrito à 3 mãos pela professora Andrea Toledo, Inácio Frade e por Cláudio Santos falamos do uso do stop motion em escolas públicas da Cidade de Cataguases, dando luz às pessoas do cotidiano e mostrando as muitas Cataguases existentes.
https://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/rbep/article/view/6293/4571
Importância do Corpo como mídia e para além das telas:
A apresentação de dança do Grupo Girarte mostrou a relevância da presença física e dos corpos em movimento como elos de comunicação. Um novo público pra quem é do audiovisual amplia os espaços de troca e construção a partir das diversas mídias e de todas as artes. A Semana de Arte trouxe a ideia do “Futuro Primitivo”, discutida nos encontros preparatórios, buscando reconectar passado, presente e futuro. Penso que a ideia de “Futuro Primitivo” leva ao “Primordial”, que é sobre aquilo que permanece, que reestabelece conexões, que trata da ideia de uma tríade cíclica: Permanência / Impermanência / Emergência.
Tecnologia a Serviço da História, da memória e do presente:
Com isso da pra se pensar em uma ideia de futuro onde devemos usar as mídias emergentes (celular, realidade aumentada, óculos VR) para difundir essas histórias, incluindo as mitologias indígenas e toda riqueza da cultura afro-brasileira ligada aos povos tradicionais. Num mundo onde estamos sobrecarregados de informação, com conteúdo instantâneo, onde parece que tudo já está pronto e não é preciso fazer mais nada. A experiência de trabalhar com uma designer indígena, aonde as ferramentas mais atuais de IA e de design digital são ferramentas que potencializam a expressão pessoal e o repertório cultural original. Jandig no Mozfest:
https://youtu.be/hpFWgEtfrac?si=mCpJaCTE48_TP06U
Novo Ciclo:
A CURIOSIDADE pode ser disparadora e um princípio ativo que sugere ao Presente reinterpretar o Passado (uma nova leitura do Ciclo de Cataguases e de como se conectar com os saberes ancestrais) e construir um Futuro mais consciente, aberto e com forças Primordiais, pautados pela reconexão de histórias e culturas. Tudo isso somado à transmissão de conhecimento pelas mestras e mestres, pelo fazer manual e valorização dos ofícios e pela busca de novas histórias a serem contadas. As comunidades criativas tão bem mapeada e registrada pelos 2 Pedros, o Marcos e o Chaves. Esse novo ciclo se consagra também pelo uso do Animaparque, com algumas produções de stop-motion em andamento (Pinguim Tupiniquim – Mundiça/Coala/Taller Del Chucho e Marcha dos Girassóis – Erick Ricco), além do projeto laboratório 2.C da Fábrica do Futuro na construção de mini biografias em animação de personalidades locais. Inicialmente Humberto Mauro, Maria Alcina e Ary Barroso. A ideia é o projeto continue trazendo à tona novos personagens numa linguagem contemporânea, para atingir todas as gerações.
https://padlet.com/claudiovoltz/midiateca-lab-2c-f-brica-do-futuro-flxhdb4ssiosvk40
Rede e plataforma de pensamento:
Convidar pessoas para apresentar diferentes perspectivas e criar conteúdos que possam ficar registrados e abertos para fundamentar a Semana que estar por vir. Imersão para uma curadoria que registre e expanda a ideia de Futuro Primitivo. Como marco e síntese fica a palavra-chave apresentada no final. #ESCUTA: A ideia de uma escuta ativa aliada à Curiosidade o que nos permite reaprender a aprender, utilizando todas as mídias de forma responsável e potente. Dessa forma, pode-se mapear e apresentar uma rede existente e que tenha mais visibilidade de ações e produções relacionadas a estes temas.
Categoria: Animação, Arquitetura, Artesania, Artigo Acadêmico, Audiovisual, Curadoria, Editorial, Festival, Filme, Identidade Visual, Tipografia, Video em 01/12/2025








